sábado, 17 de fevereiro de 2007

Parte II - Lado B..e continua....


Querem me Beijar!

Por mais que o tempo e a lembrança avassalem a mente arrepiando o cabelo da nuca ao ver uma mulher bonita te fitando com um olhar guloso, nada é mais incomodo que os que estão ao derredor em pares que parecem ser organizados por uma combinação de beleza e ironia para te mostrar que estar sozinho em um bar é fora de questão, e de moda. Mas que se podem fazer quando é o único lugar onde se consegue acesso a internet para saber o resultado do clássico Atlético e Cruzeiro, onde, eu sendo do Galo até por uma questão de ser teimoso, pois torcer pelo Galo te faz como um sertanejo, um forte. São muitas raiva e esperança misturadas. Duro é o preço do “ingresso’, pois até o café custa 5 CHF, onde logicamente prefiro uma garrafa long neck de cerveja que é o mesmo valor e na minha relação custo beneficio pode valer próximo disso..mas um café, é demais. Aproveito para baixar os e-mails, onde é quase que só propaganda, aliás, devo estar cadastrado em alguma lista de hipocondríaco pois o que vem de oferta de remédios...Viagra então, deve vir oferta até de Oslo. Assento-me estrategicamente em uma mesinha alta e pequena, espremido entre uma máquina dessas de dar tiros em monstros, de Fliperama, e o espaço para jogarem sinuca. É que abaixo tem uma tomada, e como minha bateria é viciada na preguiça, funciona por pouco tempo, ligo o carregador, cuidando que minha perna disfarce um pouco o fio e a minha bolsa, e a velha bolsa verde exército, amarrada com um nó em uma das alças por arrebentar em pleno metrô em Madrid, marca Diesel, mas por ser comprada na Oiapoque, devia se chamar Querosene, mas que tem ajudado muito até aqui, cumpre de tampar a tomada. Não creio que o encarregado achasse ruim, mas eu é que não queria mostrar minha folga. A “Querosene” é a conta certa do Notebook , o pequeno mouse e o carregador, e com cuidado pois um dos bolsos já despencou até a metade, perdendo a costura. Essa não volta pra casa, mas se morresse, mereceria o céu das bolsas...uma sofredora. Internet é algo vicioso, ainda mais na minha situação, que se fico em casa, sozinho assistindo a tv em alemão é pior, e agora faz falta, pois se faz amizades, baixa textos e piadas e ainda bate-papo com outro desocupado de plantão. Estava então gastando tempo e 5 CHF com uma long neck quando inadvertidamente, percebo que assentada no balcão do bar, estava uma moça muito bonita me encarando. Olhei pra trás, pra ver se era pra mim mesmo que ela olhava, bom, só podia ser, ou para um dos monstrinhos que passava correndo pela maquina de tiros. De repente, depois de alguns minutos, ela vem caminhando em minha direção, e chega à borda de minha mesa, e então vira para a esquerda sem parar de me olhar e entra no banheiro. Arrepiei todo. Nem sabia que tinha tanto pêlo na nuca. Acontece que, nesse fracionado tempo de uns 15 passos, revi toda minha ignorância no inglês ou alemão para desenvolver um diálogo. Sou bom com as mãos e caretas e geralmente me faço entender, mas nessa situação, vi que o despreparo da língua não deixa você apto a usar a mesma para fins libidinosos. Ela saiu do banheiro e novamente chegou à borda de minha mesa, me fitou, e me garantiu que estava me fitando, e se voltou para o banco do balcão. Não disse nem uma palavra, pensei em gritar...”não sou gay...”, mas deixei pra lá. E minutos após me senti confortável pela minha escolha. Coisa doida e doída é a falta de um parceiro, isso quando se gosta de ter um. Tem gente que pode preferir um cachorro, uma samambaia ou um ramister..pior se for para atos imorais, coitado do ramister...mas eu gosto é de mulher. E essa, por ser loirinha de cabelo curto e meio despenteado, de boca carnuda, olhos azuis, seios fartos e bunda que não atrevi a conferir, não fica desaprovada na minha relação de exigência, já que geralmente fica resumida às vivas. Lembrei-me de minha ex-namorada e ex-esposa e quis compreender uma coisa...o que nos faz tão carentes ...ou galinhas? Porque damos certo ou errado? Quando via os casais nos diversos ambientes do bar, pensava no que poderia ter juntado duas pessoas a estarem ali, no prenuncio de serem um só. Achava que, bom, sendo eu um cara legal, bonito, charmoso, moderno e modesto...basta arrumar uma mulher inteligente...êpa...como sou visto do outro lado?.Sujeito inconstante, esquisito, claudicante, baixinho, deve ser cruzeirense ou gay, geralmente os dois, e esse cabelo?...É difícil, pois gostar e ser gostado e isso perdurar não é matemática, não é uma equação, está mais pra equitação, e com um cavalo bravo e manco e você tem que estar ali, em cima...ou embaixo conforme o momento. Continuei conversando pelo msn com uma amiga que nem conheço, mas solidão faz disso, e por isso é um sucesso, por isso solidão gera riquesas...pessoas são cada vez mais sozinhas em seus chats, msn, novelas ... Se no Brasil proibissem as novelas, as pessoas sairiam de suas casas, conheceriam outras pessoas, se exercitariam, iriam gastar dinheiro no comércio, ou simplesmente caminhar com seu parceiro e não teriam suas vidas sentimentais ditadas por outros...e que outros...e aí vai...Se despedem com bjs e alguma carinha acenando e vai sem briga pra cama...mas tem que fazer falta...é o correto eu penso...não de umas letras ou imagens que aparecem...”...Toco, logo existe...”, pois relacionamento é empírico, tem que ter cheiro, suor e lágrimas. No final da noite, ao me retirar do bar, virei e ela ainda me olhava pela vidraça, eu a -8 graus por dentro e por fora. Pude escolher o nada. Me virei, e só não saí triunfante graças ao escorregão no gelo que me fez criar uma coreografia semelhante a alguma ave em rito de acasalamento..ri demais, e ela também deveria estar, mas não conferi por vaidade.

Na outra noite, na mesma mesinha, encosta três alemães, um casal de namorados e outro rapaz, e colocam suas cervejas junto a minha para darem tiros nos bichinhos. A moça vem ver o que estou fazendo e começamos a comunicar. O namorado falava bom francês, e disse que morava em Colônia, disse que conheci e ainda mostrei as fotos. O outro se aproximou e passamos um bom tempo conversando, eles acharam legais as fotos e a quantidade de cidades que já conheci nessas minhas férias...e não é que ..inadvertidamente, o cara tira a blusa, estava com uma camisa de futebol francesa, e me entrega, tira outra da bolsa e veste. Disse que era um presente para mim!...Dá pra acreditar?...Devo estar cheiroso...e dizem que os europeus são frios. A garota digitou um endereço no micro, caiu em uma danceteria e tinha fotos dela, ela me beijou e os dois se despediram e se foram...

Hoje pela manhã, fui comprar minha passagem para Frankfurt, e ao seguir o leito do riacho rumo a estação, escuto meu nome sendo gritado com um sotaque Italiano, era a...Bertha..acho que é esse seu nome, uma linda mulher, esposa do médico-chefe de Davos, puxando pelo trenó sua filha, uma dos três filhos que tem, acenou e apressou o passo em minha direção e me deu três beijos com um largo sorriso, me perguntou em Franco-Italiano se eu já estava esquiando, respondi que no Nórdico estava bem, mas no Alpes estava mais pro ano que vem, ao responder que partiria em dois dias mostrou um sincero pesar, me abraçou e despediu. Saindo da estação, vou ao supermercado comprar mais chocolates para minha filha, e escuto meu nome novamente, era uma amiga da Neide, que conheci no dia em que cheguei, na companhia de seu filho adolescente e foi o mesmo tratamento e perguntou se precisar de algo é só ligar, pois tinha seu numero de telefone, pois ficaria só por uns dias e a Neide maternal disse para ligar para sua amiga caso precisasse. Também manifestou pesar por já estar indo. Volto pra casa e pego o esqui e vou para o lado de Davos Dorf, e no meio da neve, passa um instrutor, pois eles possuem o mesmo uniforme, na companhia de alguns alunos, e então escuto um “Tchau Adriano”, era um amigo do Urban, que conheci no bar no dia da apresentação dos instrutores, por sinal, muito legal. Aliás, me assentei na mesa dos professores, ganhei cerveja de graça como eles e ainda conversei em francês com um dos instrutores e em espanhol (eu acho) com três argentinos que estavam ao lado. Ele parou ao meu lado e cumprimentou melhor, fiquei espantado, pois devo ser exótico ou esquisito, pois de touca, óculos escuros, e estava na trilha, o que me faz como todos aqui, pois fora da trilha...há,há..devia ter filmado minhas primeiras performances de esqui, fora das trilhas, tentando esquiar como se fossem patins. Tinha a graça do Mazzaropi e discreto como o Jerry Lewis...era muito engraçado, parecia que tinha graxa na neve, eu ficava mais ligeiro que barata em galinheiro, só não saía do lugar, só faltava subir poeira na neve, o lugar ficava até liso...era muito engraçado, parecia um avestruz epiléptico....mas voltando...gostei de tudo isso e esses foram bons beijos que recebi. O Urban me deu uma touca de presente, disse que talvez ganhasse uma calça hoje...ele tem um humor legal. Ontem fiz um almoço legal pois tinha filés de avestruz, o fiz com um molho de vinho tinto, mostarda e figos em conserva de grappa, acompanhado de risoto de limão siciliano e pêras e abobrinhas recheadas com aliche e purê de batatas com a polpa da abobrinha e mostarda...ficou muito legal, o Urban só faltou lamber as panelas. A verdade é que estou indo embora e estou com um frio na barriga. Busquei um paraíso e encontrei amigos, encontrei calor. Encontrei olhares de carinho, seja com alguém ou com ninguém me senti bem-vindo e bem querido. Recebi um e-mail do Tim, de Frankfurt, dizendo que achava um absurdo eu querer dormir no aeroporto e que o sofá da sala estava à disposição a qualquer momento. Me refrescou por dentro. São todos diferentes e somos todos diferentes, passei muito tempo sozinho, mas não o tanto que deveria, e recebi muito carinho, mais do achava merecedor...e agora, com a passagem na mão, fico assim, ansioso por ter de voltar, mas a ninguém tributo a minha volta, acho que à mim mesmo, pois serei o mesmo que deixei ou o que volta meio que com pena dos choros ou vaidade dos risos, com riqueza nos olhos e nas lembranças que me levaram a tantos passos e se sentindo ainda menor, com muito pra contar mas com vontade de só escutar, vejo a vida em minha frente, mas vejo na minha frente o meu passado, pois o tempo tem me feito pensar no estar perdido ou achado, já que isso depende de como nos beijam e porque nos beijam... Mas isso fica pra próxima...obrigado pela paciência...e um abraço a todos!

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